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quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Direitos do consumidor e uso racional de medicamentos



O uso racional de medicamentos foi posto em pauta recentemente, por conta de duas propostas de alteração da legislação farmacêutica em vigor
A primeira foi a iniciativa da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que, por meio da Consulta Pública 27, de 12 de abril de 2012 (CP 27/2012), propôs alterações na normatização  sobre Boas Práticas Farmacêuticas (RDC Anvisa 44/2009). 

 A nova redação sugerida para a normativa permite que medicamentos isentos de prescrição permaneçam ao alcance dos consumidores, que os obteriam nos estabelecimentos farmacêuticos por auto-serviço. Atualmente esses produtos são dispostos em áreas de circulação restrita a funcionários, com exceção dos medicamentos administrados por via dermatológica, fitoterápicos e  sujeitos a notificação simplificada.

A segunda proposta se deu através da aprovação, pelo Senado Federal,  no dia 25 de abril, do texto do Projeto de Lei de Conversão de Medida Provisória 7 de 2012, referente ao texto da Medida Provisória 549 de 2011. De acordo com o texto remetido à sanção presidencial, supermercados, armazéns, empórios, estabelecimentos hoteleiros e similares, poderiam comercializar medicamentos isentos de receita médica, possibilitando acesso irrestrito dos consumidores a esses produtos. Houve veto presidencial à proposição, justificado na dificuldade de controle de comercialização e no estímulo à automedicação e uso indiscriminado desses produtos, que seriam prejudiciais à saúde pública.

Para o Idec ambas as propostas são prejudiciais saúde e segurança dos consumidores, que, de acordo com o  artigo 4º do CDC, constituem um dos objetivos da Política Nacional das Relações de Consumo. 

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas (Sinitox) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em 2009, mais de 26% do total de intoxicações registradas pelos Centros de Informação e Assistência Toxicológica em atividade no Brasil tiveram os medicamentos como os agentes tóxicos. Foram 26.753 casos de intoxicação causadas por medicamentos, sendo que 12,87% destes casos tiveram como circunstâncias de intoxicações as seguintes condutas: automedicação; erro de administração; abuso; uso indevido; ou uso terapêutico, totalizando 5363 casos de intoxicação por medicamentos nessas circunstâncias. Os óbitos causados por intoxicação por medicamentos, nesse período, totalizaram 71 casos, representando 17% do total de óbitos por intoxicação[1].

O  acesso a medicamentos por meio de auto-serviço e sua dispensação por quaisquer estabelecimentos que não tenham como atividade principal a manipulação e/ou dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, induz e facilita a automedicação  e, consequentemente, coloca em risco um dos propósitos precípuos da Política Nacional de Medicamentos, que é a promoção do uso racional dos medicamentos, conforme disposto na Portaria do Ministério da Saúde nº 3916/98, segundo a qual:

“O processo indutor do uso irracional e desnecessário de medicamentos e o estímulo à automedicação, presentes na sociedade brasileira, são fatores que promovem um aumento na demanda por medicamentos, requerendo, necessariamente, a promoção do seu uso racional mediante a reorientação destas práticas e o desenvolvimento de um processo educativo tanto para a equipe de saúde quanto para o usuário”.

Para a OMS (Organização Mundial de Saúde) o uso racional de medicamentos ocorre quando “pacientes recebem medicamentos apropriados para suas condições clínicas, em doses adequadas às suas necessidades individuais, por um período adequado e ao menor custo para si e para a comunidade[2]”.

A política Nacional de Assistência Farmacêutica,  aprovada pela Resolução nº 338/2004 do CNS (Conselho Nacional de Saúde), ressalta a importância da interação direta do farmacêutico com o usuário, visando uma farmacoterapia racional e a obtenção de resultados definidos e mensuráveis, voltados para a melhoria da qualidade de vida.

Os riscos e as consequências do uso irracional de medicamentos, que tem como uma de suas causas a disponibilidade irrestrita de medicamentos, livremente dispostos ao alcance do consumidor, já foram alertados pela OMS[3], sendo eles, dentre outros:

- polimedicação (uso simultâneo de muitos medicamentos);
- abuso de antibióticos e injeções;
- impossibilidade de prescrição de acordo com as diretrizes clinicas;
- automedicação de forma imprópria com desrespeito aos horários das doses;
- desenvolvimento de resistência antimicrobiana, o que prolonga a doença e a internação no hospital, podendo levar à morte;
- ocorrência de reações adversas e erros na medicação, incluindo reações alérgicas que podem ocasionar aumento da doença, sofrimento e morte; e
- diminuição da confiança do paciente, pois devido ao uso irracional de medicamentos limitados, as drogas muitas vezes não estão estocadas ou acessíveis a preços populares, o que prejudica a confiança do paciente.

O Ministério da Saúde também já manifestou-se neste sentido, afirmando que o uso irracional de medicamentos, além de gerar custos ao paciente, que pode não estar sendo tratado da maneira mais adequada e assim levará mais tempo para a cura, também onera o sistema de saúde. Um medicamento desnecessário é utilizado por mais tempo e não se consegue o efeito desejado e, na pior das hipóteses, o medicamento tomado de maneira inadequada pode até prejudicar o paciente[4].

Nossa Constituição Federal, em seu art. 196, estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e, em seu artigo 170, V, que a ordem econômica, tem por fim assegurar a todos existência digna, tendo como princípio a defesa do consumidor.

Já o CDC (Código de Defesa do Consumidor), em seu artigo 4º, estipula que a Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (i) reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (ii) ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor: e (iii) pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho.

Ainda, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços, sendo devido, também, fornecer produtos e serviços que não acarretem riscos à saúde e segurança dos consumidores, devendo informar o consumidor a este respeito da forma necessária e adequada, conforme os arts. 8o e 39 do CDC.

Dessa forma, o Idec entende que as propostas da CP Anvisa 27/2012 e do PLV 07/2012 estão em desacordo com as orientações da OMS; a Política Nacional de Medicamentos; e a Política Nacional de Assistência Farmacêutica, pois incentivam e induzem a automedicação, promovendo o uso irracional de medicamentos. Ainda, foram postos em cheque ditames constitucionais que dispõe sobre o direito à saúde por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e a garantia, pela ordem econômica, de existência digna, tendo como princípio a defesa do consumidor


fonte:http://www.idec.org.br/em-acao/artigo/direitos-do-consumidor-e-uso-racional-de-medicamentos

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