Não tem valor jurídico o contrato de serviços hospitalares assinado por uma pessoa abalada emocionalmente. Premida por situação de risco, fica caracterizado o vício de consentimento, pois não se encontra livre para concordar com os termos do contrato jurídico. Logo, não tem a obrigação de pagar as despesas de internação. Com base nesse entendimento, a 19ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul confirmou os termos de sentença que livrou uma mãe de pagar R$ 8,6 mil pela internação hospitalar do filho em Santa Maria (RS). Tal como o juízo de origem, os desembargadores entenderam que a mãe não tinha outra opção senão assinar o contrato, no afã de salvar a vida do filho, já que caracterizado o ‘‘estado de perigo’’.
O relator da Apelação, desembargador Eduardo João Lima Costa, explicou que a lei exige, na configuração de ‘‘estado de perigo’’, o conhecimento do dano pela outra parte. Citou o artigo 156 do Código Civil, que prevê: ‘‘Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa’’.
Assim, emendou, em consonância com o disposto no artigo 171, inciso II, do Código Civil, é anulável o negócio jurídico celebrado em ‘‘estado de perigo’’. O acórdão foi lavrado, de forma unânime, no dia 7 de fevereiro.
O caso
No dia 1º de novembro de 2009, o filho da autora, carregado por bombeiros de Santa Maria, deu entrada no Hospital de Caridade Doutor Astrogildo de Azevedo. Ele apresentava ferimentos produzidos por arma de fogo no tórax e abdômen, e seu estado era grave. Passou por cirurgia e ficou internado até o dia 9 de novembro.
Conforme a direção do hospital, a mãe do rapaz, que o acompanhava, ficou como responsável pelo ato de internação. Assim, ela teve ciência dos termos da contratação dos serviços hospitalares e das despesas decorrentes. Como ela não honrou o compromisso, a instituição ajuizou Ação Ordinária de Cobrança, requerendo o pagamento de R$ 8,6 mil.
Por meio dos seus advogados, a mãe do rapaz alegou, perante o juiz da 4ª Vara Cível de Santa Maria, que não teve escolha, em face do quadro grave com que se deparou. Em síntese, afirmou que não agiu de má-fé, por acreditar que o filho havia sido encaminhado a hospital conveniado com o Sistema Único de Saúde (SUS). Lembrou que a escolha do Corpo Bombeiros recaiu sobre o hospital por este ser filantrópico.
O juiz de Direito Rafael Pagnon Cunha afirmou que a família do rapaz não pode escolher o hospital, já que este foi conduzido às pressas para o hospital Astrogildo de Azevedo, em função do risco de morte. O temor pela vida do filho e o desgaste psicológico explicam por que a mãe concordou com as cláusulas do serviço.
‘‘Entretanto, para que o negócio jurídico seja considerado válido, faz-se necessária manifestação de vontade do agente, externada de forma consciente, livre, espontânea e conforme a lei, o que não se observa na presente situação’’, pontuou o juiz.
Na visão do juiz, a circunstância em que ocorreu a manifestação de vontade se enquadra naqueles casos em que esta se divorcia da real e verdadeira atitude volitiva do agente. Ou seja, existe negócio jurídico, porém, viciado, nos termos do artigo 156 do Código Civil. Assim, estando caracterizado o ‘‘estado de perigo’’, fica excluída a validade da dívida.
O magistrado ainda lembrou que o Hospital de Caridade Dr. Astrogildo de Azevedo é uma entidade filantrópica e, como tal, tem que promover, gratuitamente, assistência à saúde, conforme disposto nos artigos 2° e 3°, parágrafo 1°, do Decreto 2.536/98. Logo, encerrou, deve incluir o valor gasto com o paciente dentro do percentual a ser dispensado, obrigatoriamente, com atendimentos gratuitos.
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