O estigma de ter o seio retirado devido a um câncer significou para Neli Maria de Mello, 63 anos, uma mutilação que vai para além do corpo. É como se, no momento em que lhe tiraram a mama, em agosto do ano passado, tivessem lhe arrancado também a feminilidade. As blusas decotadas deram vez às mais folgadas. A mulher que não saía de casa sem se sentir bela foi tomada pelo desânimo. A vaidade desistiu da batalha.
— Me sinto deformada — define a aposentada.
Para evitar essa sensação, que acentua ainda mais o desgaste de um tratamento de câncer, entrou em vigor nesta quinta-feira uma lei que obriga o Sistema Único de Saúde (SUS) a realizar cirurgia plástica reparadora imediatamente após a extração da mama.
O texto que vigorava desde 1999 previa a reconstrução mamária, mas não necessariamente no momento da mastectomia. Com isso, a cirurgia plástica poderia ser adiada sucessivas vezes, causando, até mesmo, a desistência por parte das pacientes, que teriam de se submeter a novos exames e procedimentos.
— A deficiência dos sistemas de saúde acabava imputando uma distância entre o tratamento e a estética, renegada a um segundo plano. É cruel privar uma mulher de sua autoestima e de se sentir bem em relação à sexualidade enquanto se cura de um câncer — defende José Luiz Pedrini, vice-presidente nacional da Sociedade Brasileira da Mastologia.
Mais de 60 mil mulheres estão na fila esperando pela reconstrução mamária. Devido ao difícil acesso a vagas hospitalares e ao número insuficiente de equipes médicas, somente 10% tem a chance passar pela cirurgia reparadora. Os números levantados pela Federação Brasileira de Instituições Filantrópicas de Apoio à Saúde da Mama (Femama) fazem com que, apesar de ser um avanço, a lei seja comemorada com cautela.
— Sabemos que a infraestrutura ainda é insuficiente. A obrigatoriedade certamente irá pesar nos hospitais públicos, uma vez que a cirurgia demandará o dobro do tempo. Mas é preciso criar a demanda para se ter mais oferta — justifica Maira Caleffi, presidente do Femama.
Já se passaram dois anos desde que Clarice Cerentini, 50 anos, curou-se de um câncer e saiu do bloco cirúrgico sem que, ao menos na aparência, faltasse um pedaço de si. Hoje, ela atua como voluntária o Instituto da Mama do Rio Grande do Sul (Imama) e sabe, como poucas, os benefícios que a Lei nº 12.802 traz:
— A gente faz quimioterapia, perde o cabelo e toma remédios fortíssimos. Diante de tudo isso, não se sentir mutilada é uma dádiva.
O que diz a lei
Todas as mulheres que tenham condições clínicas (não fumantes, não diabéticas, sem cardiopatias e dentro do peso) têm o direito de passar pela reconstrução imediatamente após a mastectomia. Se as condições da paciente não forem favoráveis, a a cirurgia plástica deve ser realizada assim que a mulher estiver em condições para fazê-la.
Números
— 60% das mulheres perdem o companheiro após a retirada de uma mama. Entre os motivos, estão a baixa autoestima, o sentimento de inferioridade e o medo de rejeição do parceiro.
— Mais de 50% das pacientes perdem a vontade de fazer uma nova cirurgia após a cicatrização da retirada do tumor.
— Chega a 40% o número de mulheres com câncer de mama que, devido ao diagnóstico tardio, devem extrair completamente a mama.
Frases:
José Luiz Pedrini — Vice-presidente nacional da Sociedade Brasileira da Mastologia
A cirurgia reparadora imediata é essencial para o tratamento do câncer. Ela eleva a autoestima, melhora a qualidade de vida e evita quadros depressivos. A estética é fundamental neste momento.
Maira Caleffi — Presidente do Femama
A sensação da mulher que não passa pela cirurgia de reconstrução de mama é a de que o tratamento do câncer não acabou.
http://www.endividado.com.br/noticia_ler-35687,.html
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