Sandra Franco*
O artigo 1º da Lei nº 9.656/98 traz a definição de Plano Privado de Assistência à Saúde como aquele que se caracteriza pela prestação continuada de serviços, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde.
As operadoras dos planos de saúde, portanto, jamais poderiam alegar desconhecimento em relação ao objeto dos serviços oferecidos em seus contratados, sendo qualquer determinação contrária à definição legal passível de ser questionada perante à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANS) ou, ainda, perante o Poder Judiciário.
Como precedente para a garantia dos direitos de 47 milhões de cidadãos, usuários do sistema privado de saúde, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu, ao julgar um recurso especial contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, ser abusiva a cláusula limitativa de custos presente nos contratos das operadoras.
As situações em que as cláusulas de um contrato são consideradas abusivas estão no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor. O item 4º, por exemplo, traduz exatamente a situação em que se vê o usuário quando seu direito ao tratamento de uma enfermidade está limitado, impossibilitando-lhe o exercício de seu direito à saúde. Ao fixar um montante “ínfimo quando se fala em internação em UTI", como afirmou o ministro do STJ, Raul Araújo, o plano de saúde colocou o consumidor em desvantagem incompatível com a boa-fé ou a equidade.
Por evidente, a operadora de saúde que recusa a cobertura para a permanência de paciente internado em UTI (Unidade de Terapia Intensiva) provoca frustração e coloca paciente e família na situação aflitiva quanto ao pagamento das despesas. Tais sentimentos ultrapassam o chamado “mero aborrecimento” e caracterizam um dano moral que deve ser indenizado.
Proporcionalmente ao crescimento de usuários da saúde privada, em 2011, aumentaram em 40% as queixas contra as operadoras de saúde junto aos órgãos de defesa do consumidor, a ANS ou judicialmente. Preocupante. A ANS mantém uma Central de Atendimento ao Consumidor pelo qual a informação mais acessada é a que apresenta “o que o plano de saúde pode restringir”. De forma clara, a Agência apresenta as “portas de entrada”, ou seja, as formas como as operadoras de saúde podem controlar o acesso do usuário aos seus serviços. A diretriz essencial está em consonância com os princípios constitucionais das garantias individuais, bem como com os enunciados do Código de Defesa do Consumidor: as operadoras não podem restringir, dificultar ou impedir qualquer tipo de atendimento ou procedimento que constar no contrato.
É fato que o consumidor, por vezes, é passivo quanto aos contratos chamados de adesão: quer pela impossibilidade de alterá-los de imediato, quer pelo desconhecimento dos termos expostos ou ainda pelo desconhecimento de seus direitos – ao que parece, as operadoras de saúde têm-se aproveitado economicamente dessa aparente vantagem.
No entanto, no momento em que o usuário do plano de saúde é confrontado com uma negativa dos serviços que entende serem devidos, e após se cansar das inúmeras solicitações sem respostas feitas à operadora, o caminho do Judiciário é sua última esperança. As operadoras sabem disso; mas sabem também que nem todo consumidor irá esgotar os recursos administrativos judiciais.
A ANS está se esforçando em seu papel de reguladora. Porém, ainda falta muito para que os regulados cumpram suas obrigações sem que estejam a todo tempo sob o poder coercitivo da lei. Na prática, o consumidor que “grita” mais alto tem seu direito garantido. O consumidor que busca o Judiciário tem seus direitos amparados. A palavra mais importante para as operadoras ainda é o lucro, todavia isso é inadmissível quando o objeto do contrato é a prestação do serviço em saúde, esta sem dúvida, essencial na preservação da dignidade humana.
*Consultora jurídica especializada em Direito Médico e da Saúde,
presidente da Academia Brasileira de Direito Médico e da Saúde
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