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sexta-feira, 22 de julho de 2011

O direito do consumidor de plano de saúde à informaçao adequada

Elaborado em 08/2009.

1. Delimitação do tema

O presente estudo pretende analisar o direito do consumidor de plano de saúde à informação adequada e completa, em especial nos casos em que há a negativa de algum procedimento pretendido pelo consumidor, ou, de qualquer forma, há algum pedido não atendido por parte da operadora de plano de saúde.

2. O usuário de plano de saúde como consumidor

É inegável que o usuário de plano de saúde é um consumidor, o que o torna titular dos direitos previstos no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1.990).
Isso decorre da combinação dos artigos 2º e 3º do CDC, posto que o usuário é pessoa física que adquire e utiliza serviço como destinatário final (art. 2º do CDC), e o plano de saúde é pessoa jurídica de direito privado que desenvolve atividade de comercialização e de prestação de serviço (art. 3º do CDC).
A própria legislação específica da saúde suplementar prevê a aplicação do CDC aos contratos de plano de saúde, de forma subsidiária. Segundo Clayton Maranhão [01],
"muito embora os planos de saúde estejam regulados por normas específicas (...), a própria Lei 9656/98 indica no art. 35-G que se aplicam subsidiariamente aos contratos entre usuários e operadoras de planos privados de saúde as disposições do Código de Defesa do Consumidor".
Por se tratarem de normas protetivas do consumidor, a subsidiariedade consiste na agregação dos direitos garantidos pelo CDC aos já previstos na legislação específica.
Não se pretende, neste estudo, analisar a situação do plano de saúde fornecido por empregador, já que a configuração dessa relação como de consumo depende de uma análise muito mais complexa, tendo em vista que há uma relação entre o empregador e o plano de saúde, uma relação entre o empregador e o usuário e, por fim, uma relação entre o usuário e a empresa de plano de saúde.

3. O direito do consumidor à informação

Compreendido o usuário de plano de saúde como consumidor, cabe analisar um direito garantido pelo Código de Defesa do Consumidor – o direito à informação. Esse direito decorre do inciso III do art. 6º do CDC, que diz expressamente ser direito básico do consumidor "a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam".
Esse direito à informação deve ser interpretado da forma mais ampla possível, abrangendo, também, o direito a todas as informações que digam respeito ao objeto do contrato. Ou seja, a disposição do art. 6º, III, do CDC, deve ser considerada como um rol exemplificativo, não afastando direito a outras informações decorrentes da relação de consumo.
Isso também decorre da boa-fé que se deve ter nos contratos, conforme determina o art. 422 do Código Civil e o art. 4º, III, do CDC. Segundo Nelson Nery Junior [02]:
"Nos sistema brasileiro das relações de consumo, houve opção explícita do legislador pelo primado da boa-fé. Com a menção expressa do art. 4º, III, do CDC à ‘boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores’, como princípio básico das relações de consumo (...), de modo a fazer com que haja ‘transparência e harmonia nas relações de consumo’ (art. 4º, caput, CDC), mantido o equilíbrio entre os contratantes".
A boa-fé – da qual decorre o dever de informação, transparência e harmonia – é ainda mais qualificada em sede de contratos de plano de saúde, dado o caráter de direito fundamental que se dá à saúde, nos termos do art. 6º da Constituição Federal.
Desta forma, o usuário de plano de saúde tem direito a todas as informações que digam respeito à sua relação com a operadora do plano, sendo que qualquer ato desta que vise tolher ou prejudicar esse direito deve ser repudiado e reparado.

4. O direito à informação clara, precisa e completa nos casos de negativa de pedidos por parte do usuário

Não é difícil entender que o usuário do plano de saúde tem direito, quando da contratação, a todas as informações sobre seus direitos e deveres, o que deve compreender, dentre outros, os procedimentos cobertos, a forma para solicitar procedimentos e consultas e a forma para reclamar seus direitos perante a própria empresa.
Mas o que realmente pretende-se neste estudo é demonstrar que, quando o usuário pretende alguma consulta ou procedimento, e isso lhe é negado, há o direito à completa informação, abrangendo, em especial, o exato motivo da negativa (apontando-se, quando possível, a cláusula do contrato ou o dispositivo de lei que sustenta a negativa), a data em que ocorreu, quem determinou a negativa, e, quando for o caso, o procedimento a ser tomado pelo usuário para pedir uma revisão dessa negativa.
A obrigatoriedade de se informar o consumidor de forma precisa, clara e completa decorre naturalmente da qualidade de fornecedor no mercado de consumo. Ainda assim, a Resolução 08/1998 do Conselho Nacional de Saúde Suplementar – CONSU, através do art. 4º, impôs às operadoras de planos de saúde o dever de "fornecer ao consumidor laudo circunstanciado, quando solicitado, bem como cópia de toda a documentação relativa às questões de impasse que possam surgir no curso do contrato (...)".
Por tudo o que se sustentou até aqui, em especial quanto à extensão do direito à informação, é inequívoco que o usuário tenha direito às informações acima mencionadas, já que são fundamentais para que se possa apurar se realmente o contrato está sendo cumprido, e para que se possa, quando o caso, reclamar uma revisão do pedido.
Mais do que isso, o usuário tem o direito a receber tais informações por escrito, já que isso é medida que permite que ele possa buscar a proteção jurisdicional de seus direitos, de forma adequada e eficaz, conforme garante o art. 6º, VII e VIII, do Código de Defesa do Consumidor.
Em suma, é direito do consumidor ser informado em tempo razoável, por escrito, de forma justificada, clara, precisa e completa.

5. A dificuldade em efetivar o direito à informação nos contratos de plano de saúde

Mesmo sendo cristalino o direito do usuário de plano de saúde em receber, de forma clara e por escrito, todas as informações que digam respeito às negativas de consultas ou procedimentos, na prática o que se percebe é que muitas empresas fornecedoras do serviço de plano de saúde ignoram esse direito, deixando os usuários desamparados ou, ao menos, prejudicados, quando da busca do cumprimento adequado do contrato.
Em muitos casos, a negativa é feita por telefone, não sendo fornecido ao usuário qualquer transcrição da conversa; outras vezes, essa negativa vem acompanhada de um número de protocolo, mas, ao se buscar informações sobre esse protocolo (em especial pelo site da empresa), nenhuma informação aparece; em outros casos, sequer é informado ao usuário a negativa, deixando-o por meses angustiado por uma resposta que nunca vem.
Essa postura, como dito, tem um único intuito – tolher ou prejudicar o usuário no momento de buscar saber se a negativa é justa, ou no momento de buscar a proteção do Poder Judiciário para a reparação da violação do direito do consumidor.
É lamentavelmente costumeiro o desrespeito ao direito de o consumidor receber informação adequada das operadoras de planos de saúde, como registrou Joseane Suzart Lopes da Silva [03]:
"A vulnerabilidade dos consumidores é flagrante diante dos planos de saúde, uma vez que atrelados a estes de forma duradoura – sem a pretensão de findar a relação formalizada, pois busca-se uma proteção futura e o não disperdício do quanto já pago – terminam aceitando os abusos cometidos".
Não deve o consumidor aceitar, inerte, os abusos. Passa-se a analisar os meios pelos quais se pode efetivar o direito à informação.

6. Remédios e reflexos judiciais para essa prática

Infelizmente, essa postura que vem sendo cada vez mais adotada por algumas fornecedoras de plano de saúde prejudica a defesa do usuário em juízo. Como superar esse obstáculo?
Através da Lei 9961/2000, foi criada a Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, entidade autárquica cuja função é regulamentar e fiscalizar o desenvolvimento das atividades do setor.
"Essa intervenção se fez necessária porque a maioria dos contratos celebrados na área de saúde são de consumo e o consumidor estava desprotegido, pois era obrigado a contratar por ser tratar de serviço de natureza pública e essencial, submetendo-se, em muitos casos, à imposição de cláusulas abusivas impostas em seu desfavor, dificultando-lhe a prestação dos serviços contratados (...)". [04]
A ANS mantém postos em praticamente todos os Estados, para atender às demandas dos consumidores dos planos de saúde e para fiscalizar a atividade das operadoras, inclusive aplicando sanções, quando necessário. [05]
Uma primeira possibilidade, portanto, é abrir uma reclamação junto à ANS, o que pode ser feito pelo serviço de atendimento por telefone (0800.701.9656) ou pela internet (www.ans.gov.br). A reclamação não tem as mesmas conseqüências do que uma ação judicial, mas pode surtir efeitos, já que a ANS pode exigir explicações junto à operadora de plano de saúde, forçando-a a informar adequadamente o consumidor. Além disso, a comprovação de reclamação na ANS forma um indício acerca da negativa, o que certamente pode vir a ser usado em futura ação judicial.
Outra possibilidade é enviar uma notificação à operadora de plano de saúde, cobrando as informações acerca dos motivos da negativa da consulta ou do procedimento. Para garantir a prova do teor e do recebimento, o mais seguro é que tal notificação seja feita por meio de Cartório de Títulos e Documentos (extrajudicial) ou por meio de notificação judicial, já que cartas, ainda que com aviso de recebimento, não têm o condão de provar o conteúdo.
Enviar um e-mail exigindo informações também pode servir, quando se puder obter cópia do e-mail. Registrar reclamação junto à ouvidoria da operadora, exigindo-se número de protocolo, também é aconselhável. Isso dificilmente gerará resultados imediatos, mas pode ser utilizado no processo como indício da negativa.
Essa preocupação em documentar a situação (negativa injustificada) tem uma finalidade: a de facilitar a prova do fato no processo. Isso porque, quando não se tem qualquer documento, a alegação da negativa no processo não passa de mera alegação, permitindo que a operadora, no processo, altere a realidade dos fatos, sempre em prejuízo do usuário. Além disso, facilita-se a obtenção de provimentos liminares.
Por fim, a última possibilidade: mover ação judicial.
Neste caso, o interesse pode se limitar a documentar o ocorrido (negativa sem motivo), o que poderá ser feito por medida cautelar de justificação. Isso apenas terá utilidade se for para documentar a situação para uma futura outra ação, senão de nada servirá.
O mais comum é propor ação para o cumprimento do contrato, pleiteando que o juiz determine a autorização que foi negada. Neste caso, deverão ser utilizados os documentos comprobatórios do ocorrido, acima estudados, como prova da negativa.
Como não se terá o motivo (já que, para o presente estudo, se está partindo da situação em que o motivo não é informado por escrito ao usuário), o Judiciário deverá considerar a negativa como sem motivos, não podendo aceitar, posteriormente, qualquer outra justificativa apresentada pela operadora, já que, se isso ocorrer, se estará aceitando uma manobra astuciosa em prejuízo do sistema de defesa dos consumidores.

7.Conclusões

É possível concluir, pela breve exposição feita acima, que:
a) O usuário de plano de saúde, contratado diretamente com a empresa fornecedora do plano, é consumidor para os fins do Código de Defesa do Consumidor, fazendo jus aos direitos nele previstos, em especial o direito à informação.
b) O direito à informação deve ser interpretado de forma ampla, e, em sede de contratos de plano de saúde, deve compreender o direito à informação, por escrito, dos motivos da recusa à pedido de consulta ou procedimento cirúrgico.
c) Quando o plano de saúde não atender a tal direito do usuário, isso deve ser levado em conta pelo juiz em futura ação judicial, não admitindo prejuízo à defesa dos interesses do consumidor em juízo por conta dessa postura ilegal da operadora do plano de saúde.
d) Para documentar a situação, o usuário pode abrir uma reclamação junto à ANS, enviar uma notificação judicial ou extrajudicial (por cartório), enviar um e-mail ou propor medida cautelar de justificação.
e) Utilizando-se desses documentos, poderá o consumidor propor ação judicial para obter o cumprimento do contrato, servindo-se tais documentos como prova da negativa injusta, o que servirá para fins do julgamento do feito e para apreciação de pedido liminar.

BIBLIOGRAFIA

ANDRADE, Ronaldo Alves de. Curso de direito do consumidor. Barueri: Manole, 2006.
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de direito de saúde suplementar: manual jurídico de planos e seguros de saúde. São Paulo: MP, 2006.
MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
NERY JUNIOR, Nelson (et alli). Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000.
SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Planos de saúde e boa-fé objetiva: uma abordagem crítica sobre os reqjustes abusivos. Salvador: Juspodivm, 2008.

Notas

  1. Tutela jurisdicional do direito à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 226.
  2. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 6.ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2000, pp. 438-439.
  3. Planos de saúde e boa-fé objetiva: uma abordagem crítica sobre os reqjustes abusivos. Salvador: Juspodivm, 2008, p. 152.
  4. ANDRADE, Ronaldo Alves de. Curso de direito do consumidor. Barueri: Manole, 2006, p. 424.
  5. FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de direito de saúde suplementar: manual jurídico de planos e seguros de saúde. São Paulo: MP, 2006, p. 369.

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